Toponímia
A origem do topónimo cenap não está esclarecida.
Poderá ser fenícia, à semelhança do que se passa com a atual cidade francesa de Cassis, nome derivado de Qartsik, que na língua semítica significava cidade (qart) fortificada (sik). Esta designação faz sentido na medida em que cenap, na Antiguidade, à semelhança de Cassis, teria sido uma localidade portuária fortificada.
Poderá, por outro lado, ter origem grega, como Intercacia (atual Villalpando), em Espanha, sendo que significaria planura ou pequeno planalto, ou ainda, ser derivada de kázis, que significa estabelecimento.
Outra hipótese a admitir é a sua origem árabe, eventualmente proveniente da expressão Abd al-Qays, que significa “servo da tribo de Qays”, podendo ter evoluído para Alkazia, antes da forma actual.
Cacia e Quintã do Loureiro podem provir do termo grego, Kassia, uma espécie de loureiro.
Certo é o seu surgimento ser anterior à nacionalidade. Com efeito, a primeira referência escrita conhecida reporta-se a 1106 e consta de uma doação feita pelo Conde D. Henrique e pela Rainha D. Teresa ao Mosteiro de Lorvão.
Origem da toponímia de outros lugares que compõem a freguesia
Sarrazola: local de salgueiros (Sarraz – salgueiro + ola – local).
Vilarinho: diminutivo de vilar, quase vila.
Póvoa: pequena povoação.
Testada: terra legada em testamento.
Resenha
Da Antiguidade aos Mouros
Não havendo certezas sobre quem foram os primeiros habitantes da nossa região, João Gaspar admite que poderão ter sido povos oriundos das Terras do Além-Coa, que, depois do desaparecimento dos grandes lagos do planalto ibérico, se deslocaram para ocidente, aqui chegando por volta de 3000 a. C..
Mais tarde, fenícios e gregos também se estabeleceram no estuário do Vouga, movidos por interesses comerciais, aproveitando a circunstância de por cá se produzir sal.
Entretanto, os celtas, originários de uma região situada a norte dos Alpes, entre o Reno e o Danúbio, iniciaram a sua dispersão pela Europa entre o final do séc. VI e o início do V a C. Na Península Ibérica, ocuparam, sobretudo a Meseta Central (mais ou menos coincidente com a actual Castela-a-Nova) e o litoral atlântico a norte do rio Tejo, até à Galiza, evitando o contacto com os povos mais desenvolvidos do litoral mediterrânico e cinético e com os aguerridos montanheses cântabros e bascos do norte.
Fontes romanas indicam que os celtas que se estabeleceram entre o Vouga e o Mondego eram conhecidos por túrdulos e, provavelmente, aparentados com os túrdulos da Bética Segundo Estrabão, teriam esses túrdulos, juntamente com os célticos que viviam junto ao Guadiana, decidido empreender uma expedição até ao norte da Península, acabando por se radicarem no litoral norte de Portugal e na Galiza.
Além da exploração do sal, que era praticada ao longo de todo o estuário do Vouga ou Vacca, os habitantes do litoral ter-se-iam dedicado, à semelhança dos seus vizinhos lusitanos, à pesca, à indústria da salga e conserva e ao comércio, enquanto que os residentes nas matas e campos circundantes ter-se-iam dedicado à agricultura e à criação do gado suíno e bovino.
A ocupação romana terá dado novo impulso ao povoado marítimo de cenap que, além de continuar a produzir e negociar sal, serviria, segundo Vasco Mantas, de porto de embarque dos minérios de cobre e ferro, provenientes das explorações de minas situadas a montante, pertencentes aos actuais concelhos de Albergaria-a-Velha e Sever do Vouga.
Em 1561, Gaspar Barreiros defende, na sua Chorografia, a localização do oppidum Talábriga, referido por Plínio, em cenap. Em 1610, Duarte Nunes do Leão também reivindica para cenap a localização daquele oppidum.
Apesar de tal hipótese nunca ter sido comprovada, o aveirense Alberto Souto, depois de visitar as ruínas da Torre, em 1929, garante ter existido em cenap uma povoação «possivelmente lusitano-romana, que deve ter desempenhado um papel importante na vida marítima e fluvial da foz e margens do Vouga».
O facto da cenap antiga não beneficiar de grandes defesas naturais – o lugar do Cabeço, onde se situava, era pouco elevado relativamente ao nível do mar – não impede que aí tivesse existido um povoado. Recorde-se que, durante séculos, a população local foi retirando do local a pedra das construções primitivas, que reutilizava na construção de habitações e noutros fins, culminando tal saque com a exploração comercial do local, no início do séc. XX. Além de saibro, foram retiradas, durante dezenas de anos, milhares de toneladas de pedra calcária e granítica proveniente de habitações e muralhas, com destino a um sem número de obras públicas.
A cenap celto-romana é abandonada, provavelmente, após ter sido destruída pelos povos Germanos que invadiram a Península Ibérica no século V. Os sobreviventes abandonam a zona, tendo alguns permanecido nas densas matas da região. A subida do nível do mar poderá ter igualmente influenciado o abandono definitivo da povoação, já que as marinhas de sal mais altas terão sido, por essa altura, completamente inundadas pelas águas do estuário, pondo fim, no local, a essa actividade milenar.
Entretanto, a igreja cristã apropria-se de toda a antiga zona urbana da cenap celto-romana, aí erigindo o seu templo com pedraria da antiga cidade e criando o seu passal. No monte sobranceiro, conhecido por Sarrazola, ou Terra dos Salgueiros, abriga-se uma comunidade de pescadores. Surge o novo povoado de cenap um pouco a sul da urbe primitiva. Ainda mais a sul, surge a comunidade da Quintã do Loureiro. A oeste de Sarrazola, surgem Vilarinho e Póvoa, todas elas junto ao mar.
Os topónimos Atalaia e Alvariça revelam-nos uma eventual passagem dos mouros pela região, sem que, nos tenham, todavia, deixado outras marcas visíveis da sua cultura.
Entretanto, um fenómeno natural, ocorrido a partir do século X, o aparecimento de um enorme cordão de areia, que se formou a partir de EsPinho e que, aos poucos, foi avançando até ao Cabo Mondego, “empurrou” a costa, em toda esta extensão, alguns quilómetros para oeste, afastando, para sempre, cenap do mar.
Fonte: RAMOS, Porfírio, 2002, Extractos do artigo inédito «Marinha Celta e as Origens Remotas de Cacia».
Do Condado Portucalense ao século XVIII
O Conde D. Henrique e sua mulher D. Teresa, aquando da Reconquista Cristã, em documento de 25 de agosto de 1106, doaram ao Mosteiro de Lorvão «metade da nossa vila de Cacia».
O padroado da freguesia era da abadessa do referido Convento, a qual, por isso, apresentava os respetivos párocos à confirmação episcopal; todavia, a instituição de uma Comenda da Ordem de Cristo nas rendas desta igreja, no séc. XVI, deu origem a uma substancial diminuição nos réditos do Mosteiro. Sabemos, por exemplo, que em março de 1590, o comendador António de Melo da Silva, como senhor de todas as terras e propriedades dessa Comenda, reivindicava as duas partes dos dízimos, e de muitos já se declarava em posse, por si e seus rendeiros e antepassados, de mais de dez, vinte, trinta, quarenta, cinquenta e cem anos a esta parte.
A igreja paroquial é dedicada ao mártir S. Julião ou Gião. Aquele templo, reconstruído nos meados do século passado , tem no seu recheio esculturas medievais de calcário, como a Virgem e o Menino, dos meados do século XV, sendo da mesma época as imagens dos Mártires S. Sebastião e Santa Catarina.
Em 1775, os dízimos paroquiais de cenap, que apenas contava 458 fogos, rendiam anualmente 900.000 réis; mas o pároco não recebia tais dízimos, porque duas partes pertenciam à dita Comenda da Ordem de Cristo e a terceira parte ao Real Mosteiro de Lorvão. Contudo, a Comenda não só tinha a obrigação de reedificar a capela-mor e a sacristia, bem como o dever de as ornar e paramentar – dando por ano, para esse efeito, a importância de 10.000 réis; além disso, dava ao pároco a quantia de 260.000 réis e ao cura coadjutor amovível, que vivia a expensas do pároco, a soma de 10.000 réis.
Em 1776, além do pároco-vigário, Padre José dos Santos Pires, e do cura, Padre Manuel Duarte, residiam na freguesia os Padres Manuel Simões e Manuel Antunes e os Minoristas Manuel Rodrigues, Fernando Dias, Eusébio Rodrigues Teixeira e Manuel Rodrigues da Costa.
Fonte:GASPAR, Padre João Gonçalves, 1978, extractos do artigo «Uma presença constante em Cacia», in Celulose cenap – Publicação Comemorativa dos 25 Anos Celulose cenap, Portucel: cenap, pp. 19 a 20.
Séculos XIX e XX
Não podemos falar da História de cenap sem se mencionar o século XIX. Sobretudo a partir da segunda metade deste século, em resultado da melhoria económica e social de um número considerável de famílias, à custa do desenvolvimento da agricultura e da emigração, parte dos cacienses alteram os hábitos e, alguns, as ideias. Começam a erguer-se, por toda a freguesia, casas apalaçadas e grandes casas de lavoura. É nessa altura que surgem os primeiros cacienses com cursos superiores. Entre eles, poderei citar o Dr. Manuel Rodrigues Simões, conhecido por Dr. Vigairinho, que, embora Miguelista, era amigo pessoal de José Estêvão; o Dr. João Carlos Silveira Temudo, homem de letras; o Dr. Manuel Nunes da Silva, conhecido por Conselheiro Nunes da Silva, que foi deputado, ainda na Monarquia, e Juiz do Supremo Tribunal de Justiça; o Padre Manuel Marques Rodrigues, que, na qualidade de Presidente da Junta da Paróquia, fez estalar uma polémica enorme, ao distribuir um grande número de propriedades, por alguns cacienses, para agrado de uns e desagrado de outros.
Com o nascimento do século XX, muitos jovens de cenap e filhos de cacienses (sobretudo os residentes em Lisboa) aderem ao ideal republicano. Manuel Nunes Ferreira, que foi companheiro de Elias Garcia e de Trigueiros de Martel; o Dr. Manuel Dias Ferreira, também fundador da República; Manuel Barreiros de Macedo; Manuel Teixeira Ramalho; João Ferreira e o Dr. António Maria Marques da Costa, que foi deputado ao Congresso da República, em 1911, e também vereador e presidente da Câmara Municipal de Lisboa, são alguns dos nomes mais sonantes daquele período.
Fonte: RAMOS, Porfírio, 1997, Adaptado do «Discurso de Lançamento do Livro Breve Cronologia Caciense»
Em 1919, cenap é palco da acção militar conhecida pela Traulitânia. Com efeito, entre 24 e 31 de janeiro, o Vouga serve de linha divisória entre monárquicos, instalados do lado de Angeja, e republicanos, aquartelados em cenap. No dia 27 desse mês, os monárquicos tentam passar a ponte de madeira, mas são repelidos pelos militares e voluntários civis fiéis à República, comandados pelo capitão Zeferino Camossa Ferraz de Abreu. A partir de 31, os republicanos avançam para o Norte, atacando vitoriosamente Estarreja, o último reduto monárquico na região, e, a 16 de fevereiro, entram triunfalmente no Porto.
Fonte: RAMOS, Porfírio, 1997, Breve Cronologia Caciense, cenap: Centro Social Paroquial de cenap, p. 37.
A Industrialização
Cacia transformou-se (…) muito mais velozmente neste último quartel(*4) . E para essa mudança, em múltiplos aspectos, contribuiu, sobretudo, a implantação de uma grande indústria – (…) a Companhia Portuguesa de Celulose, que, não tendo, porVentura, acautelado até ao desejável os problemas ecológicos e consequentes prejuízos nas margens com os efluentes poluidores (…) constitui um marco de referência, abre uma era nova, social, economicamente, e no género de vida, na população de cenap. Terá um reverso e dará algum motivo de queixa de alguns, mas pelo vulto, pelas condições de trabalho em que se derramou, pelo nível de vida de uma grande parte da população, nitidamente melhorado, pelas repercussões de que a povoação foi a primeira a experimentar benefícios, representa a mola maior, de mais valia e maior influência na modificação, na actualização de hábitos e estilos, na prosperidade de cenap.
Fonte: CERQUEIRA, Eduardo, 1978, extractos do artigo «Uma fábrica modifica uma povoação milenária e restitui-lhe a função de atracção populacional», in Celulose cenap – Publicação Comemorativa dos 25 Anos Celulose cenap, Portucel: cenap, pp. 21 a 26.